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CAMPO GERAL
Lançado quase dez anos após Sagarana, Guimarães Rosa publica a primeira versão de Corpo de Baile em 1956. Grande Sertão: Veredas inicialmente fazia parte da mesma coletânea.
Acompanhamos a infância de "um certo Miguilim", um menino de oito anos que vivia tropeçando nas coisas, sem jeito para seguir os passos do pai. Ele mora na cidade de Mutúm, "um lugar bonito distante de qualquer parte". Miguilim vai ingressando nas descobertas e segredos do mundo adulto e acompanhamos sua transição a partir de um novo olhar sobre suas experiências.
A leitura dessa história convoca o leitor para a experiência de resgatar a própria infância.
“Campo Geral” é um caminho sem volta para o leitor de Guimarães Rosa
O professor da USP Luiz Roncari recomenda ao leitor ler a obra sem pressa e com a imaginação aberta.
“Um certo Miguilim morava com sua mãe, seu pai e seus irmãos, longe, longe daqui, muito depois da Vereda-do-Frango-d'Água e de outras veredas sem nome ou pouco conhecidas, em ponto remoto, no Mutúm. No meio dos Campos Gerais, mas num covoão em trecho de matas, terra preta, pé de serra. Miguilim tinha oito anos.”
Campo Geral começa assim, no aconchego familiar. Guimarães Rosa vai guiando o leitor pelo cenário encantado das matas. Se o leitor se deixar levar pelas descobertas de Miguilim, vai perceber que a leitura é uma oportunidade de conhecer o melhor da literatura brasileira.
“O que mais recomendo para o leitor de Guimarães Rosa é atenção, como todos os livros dele. Essa novela deve ser lida com todo cuidado, sem pressa e, junto ao entendimento, com a imaginação aberta”, orienta o professor Luiz Dagobert de Aguirra Roncari, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. “Por isso ela parece mágica. É que muitos sentidos outros, inesperados, se revelam com aqueles dados à primeira vista, como se abríssemos uma caixa de bolachas e ela nos trouxesse bombons e outras surpresas que satisfazem muito a nossa inteligência. É esse o milagre.”
O professor explica que, em Guimarães Rosa, cada palavra é pensada e tem a sua devida importância. “O autor usa as palavras e as explora em todas as suas possíveis conotações, étimos perdidos e outros possíveis ainda não explorados. Ele é um escritor culto e recusa a escrita fácil, aquela que pretende só passar um recado; para ele a escrita tem também que ser saboreada, como uma fruta. É um momento de gosto, reflexão e descobertas.”
Se o leitor sentir dificuldade na leitura do texto, o professor observa que é preciso deixar a escrita aparentemente obscura se revelar no seu tempo e com os caprichos que o autor lhe embutiu. “Quando a sua escrita parece obscura, se temos o cuidado de deixar que se nos revele no seu tempo e com todos os caprichos que o autor lhe embutiu, ela se torna uma coisa viva, que pode nos dar muita alegria intelectual e satisfação.”
Importante lembrar que Campo Geral, segundo análise de Roncari, é a primeira das novelas incluídas em Corpo de Baile, um dos livros mais importantes de Guimarães Rosa e da literatura brasileira.
Na avaliação de Roncari, “a leitura de Campo Geral permite apreciar nos seus liames mais cerrados os afetos e as agonias da família média brasileira, que procura imitar o modelo, com seus preconceitos e vícios, da nossa família patriarcal”.
“O autor, falando de uma família particular, a de Miguilim, no ninho de afetos e rancores do Mutum, capta as ameaças e riscos que, de certa forma, ela vive na sua generalidade”, observa o professor.
A máquina de escrever de Guimarães Rosa - Foto: Atílio Avancini
Campo Geral revela para o leitor muitas emoções sensíveis e intelectuais. “O narrador acompanha muito de perto o menino Miguilim, as suas dores, alegrias e descobertas do mundo. Por isso ela é também uma novela de formação, de um menino vivendo, sofrendo e descobrindo o mundo e os homens, mas também reagindo a eles”, esclarece Roncari.
Apesar da inocência, da ingenuidade, Miguilim não é passivo. “Por isso, o final da novela tem um sentido alegórico: quando o médico percebe que ele é míope e lhe empresta os seus óculos e o herói descobre um outro mundo, mais claro e definido do que tinha percebido até o momento, o vê agora nas suas verdades ou pelo menos que ele era muito diferente do que tinha visto. Significa que ele mudou, cresceu ou houve para ele um ganho na percepção do mundo. Esse esclarecimento da visão tem também o significado de que ele aprendeu, não apenas sofreu o mundo, mas deu um passo além no seu conhecimento do que viveu.”
Difícil resumir Campo Geral para uma rápida leitura. O leitor, como bem diz Roncari, terá que ser atencioso. “De uma literatura como a de Guimarães, por tudo o que já disse, é muito difícil de fazer uma síntese. Seria quase a sua negação, já que a sua verdade maior está mais, como ele próprio diz, na sua travessia, quer dizer, na passagem de cada uma das suas palavras, frases e acontecimentos, do que na chegada ao final. Este é quase nada sem passar por elas, o como é tão ou mais importante do que disse. Isso já é um lugar comum sobre a escrita do autor.”
Segundo o professor, “tudo se passa a partir do ângulo de visão de Miguilim, que o narrador acompanha de muito perto, como pelas costas, mas todos têm também um significado extra, mítico-simbólico – tio Terêz, vó Izidra, Mãetina, Nhanina, Dito, o Patori, seo Aristeu –, acrescido pelo autor, que faz o narrador combiná-lo com as percepções agudas dos sentimentos do menino. Por isso, cada personagem tem um composto empírico, dado pela sua experiência com o herói, Miguilim, e um elemento simbólico, que só o autor com sua intervenção poderia acrescentar à exposição do narrador, aquele sujeito invisível que nos conta a estória”.
O professor afirma que “é importante o leitor saber distinguir o que é da experiência do herói, o menino no seu embate com o mundo e os homens, o que é do autor, senhor de um conhecimento que só um sujeito muito culto poderia ter e sutilmente acrescentar, e o que é do narrador, aquele que reúne os saberes dos mais diferentes campos, coisas do sertão e dos livros, e conta tudo para nós”.
Para os interessados em saber mais detalhes ou pesquisar a obra de Guimarães Rosa, há dois livros escritos pelo professor Luiz Roncari: O Brasil de Rosa: o Amor e o Poder e Lutas e Auroras: os Avessos do Grande Sertão: Veredas, ambos publicados pela Editora da Unesp.
Por Leila Kiyomura
Jornal da USP
28/07/22 - Evento de abertura (gratuito).
Faça a leitura e participe. Início do livro até o parágrafo final:
“Pudesse, crescesse um poucado mais, ele Miguilim queria ajudar, trabalhar também. Mas, muito em antes queria trabalhar, mais do que todos, e não morrer, como quem sabe ia ser, e ninguém não sabia.”
Para baixar o trecho do livro e ler na íntegra, clique no ícone/botão abaixo.
OPÇÃO 1 (Site)
OPÇÃO 2 (Google Drive)
25/08 - Ciranda I
29/09 - Ciranda II
27/10 - Ciranda III
Quando?
28/07/2022
Roda de conversa on-line: das 19h30 às 21h
Onde?
Na sua casa através do aplicativo ZOOM - Baixar agora! - (Play Store) - (Apple Store)
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