Confraria das Lagartixas promove Encontro de Cinema, Literatura e Arte.
Filme | A Dupla Vida de Véronique - (Krzysztof Kieslowski)
O filme, que começa com um plano invertido de um céu noturno, em que as luzes longínquas e desfocadas da cidade substituem-se às estrelas, evoca desde logo a noção de um universo paralelo. La double vie de Véronique conta a história de duas personagens, que poderiam ser a mesma, Véronique é francesa, e Wéronika é polaca. Será através dos pontos de contato entre a vida de cada uma, tal como suas diferenças sutis, que Kieslowski nos lançará na narrativa.
TRAILER:
ENTREVISTA - Krzysztof Kieslowski
O peso da vida real pode ser grande e incômodo. Seria melhor viver outra vida?
Nós somos o que vivemos ou o que sonhamos?
Quem somos, o que somos, quem nos move afinal?
Existe um universo paralelo que guarda um pedacinho de cada um de nós?
Temos um duplo?
Conto | A Distante - (Júlio Cortázar)
Dividido em duas partes, o conto narra simultaneamente a vida de Alina Reyes, mulher rica e frívola, que vive em Buenos Aires num ambiente de festas, luxo, excentricidades, e seu duplo, "a distante", uma mendiga de Budapeste atormentada pela fome e frio.
Leia o conto na íntegra, clicando abaixo.
"Geralmente as pessoas morrem porque elas não podem continuar vivendo.” Kieslowsk
Dificilmente os filmes ruins têm influência; são os bons filmes que nos influenciam.
O que houve? O que realmente te trouxe aqui? Você tem que saber isso. Esse é o ponto de partida. Os anos em que você não trabalha em si mesmo são, na verdade, perdidos.
Sempre estamos tentando encontrar uma saída. Mas somos constantemente aprisionados por nossas paixões e por nossos sentimentos.
Não faz diferença nenhuma se você tem um passaporte que te permite entrar em todos os países ou se você está apenas num país e permanece sempre aí. É um ditado tão velho quanto o mundo: a liberdade está dentro de nós. E é verdade.
Pessoas diferentes em lugares diferentes podem pensar a mesma coisa, mas por razões diferentes. Eu tento fazer filmes que conectem pessoas.”
Cortázar e Kieslowski são enigmáticos, nos lançando num jogo de sugestões e simbolismos, para nunca ficar demasiadamente claro se se trata realmente de duas vidas paralelas, ou de vidas alternativas da mesma personagem em diferentes possibilidades de existência. Através destes "mestres", nos deparamos com a personificação do "Duplo".
ARTE CINEMATOGRÁFICA & ARTE DE VIVER O COTIDIANO
Há equivalência entre encadeamento – desencadeamento de cenas (imagens) e encadeamento – desencadeamento de fatos e situações vividas
no dia a dia?
por Chico Barros
Graduado em História
Pesquisador de Arte e Filosofia
Coletor de Esculturas da Natureza
Subsídios para pensar e repensar o estilo de vida baseado no esquema sensório-motor a partir do filme “A Dupla Vida de Véronique (1991), de Krzysztof Kieslowski.
O referencial do presente texto é o filme A DUPLA VIDA DE VÉRONIQUE (1991), de Krzysztof Kieslowski, proposto pela Confraria das Largatixas em 20/04/2023 e debatido um mês depois.
O filme, além de possuir história, roteiro e narrativa, é recheado de procedimentos vinculados ao esquema óptico-sonoro, ou, como o filósofo Gilles Deleuze (1925-1995) gostava de mencionar, a Imagem-Cristal.
Mas o que é esquema óptico-sonoro?
Primeiramente, respondendo a referida pergunta, o esquema óptico-sonoro expressa uma dimensão distante do esquema sensório-motor, isto é, afastado da sensação-percepção dominada por ações utilitárias e funcionais ligadas à sobrevivência humana. Logo, o esquema óptico-sonoro prima pelo “ver” e “ouvir” desprovido de objetivo prático e definido. “Ver e ouvir” sentindo!
No óptico-sonoro a sensação-percepção não completa o percurso habitual em direção à ação-reação, mas é absorvida pelo que fica “ENTRE” ambos. Tal absorção também resulta em uma ou mais ações, porém numa dimensão qualitativa espiritual.
Sobre o filme de Krzysztof, A Dupla Vida de Véronique, introduziremos a leitura interpretativa em duas vertentes: rasa e profunda. O que se entende por interpretação rasa e profunda?
Interpretação rasa é quando o nosso entendimento e respectiva fala sobre uma obra de Arte, como por exemplo um filme, se detém nos aspectos utilitários e funcionais da realidade, ou seja, sempre encontramos explicações que se originam em aspectos externos àquilo que está sendo mostrado ou apresentado.
Outra característica da interpretação rasa, no caso do cinema, é a fixação no encadeamento de cenas (imagens). Encadeamento de cenas significa que o fim de uma cena deve se encaixar com o início de outra. Significa que as cenas-imagens não possuem autonomia, ou seja, elas dependem do que acontece externamente a elas. Como a nossa educação nos condicionou a conceber a realidade de acordo com o encadeamento de fatos e situações (princípio linear de causa e efeito), assistimos a um filme influenciados por tal educação.
Observação importante: A interpretação é denominada rasa muito mais pela qualidade da ação de quem interpreta do que pelo conteúdo exposto. Em outras palavras, o conteúdo pode ser profundo, como veremos no caso das Moiras, mas a ação de quem interpreta pode descaracterizar o sentido da abordagem dada pelo cineasta.
Vejamos dois exemplos a partir do filme em questão: a velhinha caminhando apoiada em uma bengala e o cadarço da pasta de partituras musicais.
Cena da velhinha caminhando lentamente apoiada em uma bengala (conforme imagem mostrada a seguir).
De acordo com a interpretação rasa, a imagem, junto com outras cenas de velhinhas, é associada às Moiras da mitologia grega (três irmãs velhas que determinavam o destino, tanto dos deuses, quanto dos seres humanos).
A abordagem mitológica das Moiras faz sentido na história que envolve a personagem do marionetista Alexander. É o momento em que uma velhinha sai de uma cadeira de balanço e confere outra vida à bailarina morta (conforme imagens mostradas a seguir).
Trata-se da história dentro da história, de filme dentro do filme, ou seja, o movimento de bifurcação vinculado à transcendência.
Mas a história do cineasta Krzysztof tem uma dimensão bem diferente da dimensão do marionetista Alexander, pois Véronique dá continuidade à sua vida por ela mesma, isto é, por ter-se conectado com os circuitos de forças que se manifestam de dentro de si mesma (intuição no sentido bergsoniano). Esse é o sentido da imanência. Portanto, a abordagem das Moiras para o filme de Krzysztof cai num reducionismo que pode descaracterizar o filme.
Um outro exemplo é o do cadarço.
A cena em questão é quando a protagonista do filme manuseia o cadarço sobre um exame cardiológico (conforme imagens a seguir).
Neste caso, o cadarço é associado ao fio que tece a vida que também está ligado às Moiras.
Nos dois exemplos citados, as cenas apontam para algo externo a elas próprias e as explicações ajudam a sustentar o encadeamento de cenas.
Vejamos agora os mesmos exemplos sob a ótica da interpretação profunda.
A interpretação profunda, como dissemos anteriormente, tem como referencial o esquema óptico-sonoro no lugar do sensório-motor. A interpretação, neste caso, se detém na própria imagem, a imagem em si. Para isso, é preciso romper com o encadeamento de cenas, isto é, o final de uma cena não deve se encaixar com o início de outra. Trata-se do corte de cena, da introdução do ENTRE CENAS (interstício associado ao movimento da bifurcação). A cena-imagem se torna autônoma e dispensa interpretações explicativas. No exemplo velhinha o que importa é que ela está lá e interrompe o encadeamento de cenas. A sua presença não depende da cena anterior e nem da posterior.
Quanto ao cadarço, é um caso diferente do da velhinha, mas o fundamento é o mesmo, isto é, romper com o encadeamento das cenas. Vejamos. O princípio que rege é o seguinte: mostrar uma cena sem contextualização explicativa para, posteriormente, reintroduzi-la de acordo com um contexto lógico. Primeiro, o cadarço é mostrado sendo arrebentado durante uma apresentação informal de canto por parte da personagem Weronika (conforme imagem a seguir).
Posteriormente, o cadarço volta a ser mostrado mas num contexto explicativo: (1) motivo de transporte pelo correio; (2) contato entre pessoas desconhecidas; (3) objeto de foco de luz; e, finalmente, associado pela personagem Véronique ao movimento do exame de um eletrocardiograma (conforme vimos nas imagens da página 4). Assim como a velhinha surge separada das cenas anteriores e posteriores, o cadarço, num primeiro momento, é mostrado separado do que veio antes e do imediatamente posterior (desencadeamento).
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Qual a importância do desencadeamento de cenas, de imagens num filme?
A importância reside em provocar o encadeamento em outras dimensões no próprio sujeito que assiste ao filme. Por exemplo, a dimensão de “ver e ouvir sentindo em si mesmo”. Um encadeamento que não vem do externo, mas de dentro de si mesmo. É você, espectador, que vai encadear. Encadear não por motivos utilitários e funcionais ligados à concepção de causa-efeito, mas por um impulso interno vital ligado aos mistérios do indeterminado, do imprevisível.
A importância também tem a ver com a possibilidade do indivíduo conceber a realidade para além do encadeamento de fatos e situações impulsionado pela previsibilidade ligada ao princípio de causa e efeito.
Vimos que o encadeamento-desencadeamento no cinema se dá por meio de cenas. E na realidade do cotidiano? No cotidiano, em sua maioria, o encadeamento acontece através de fatos e situações dominado pelo princípio de causa e efeito, portanto, sem o desencadeamento e está vinculado à bifurcação (duplo) do Tempo na dimensão virtual e atual.
Se, na vida de uma pessoa, predomina o esquema sensório-motor, o virtual acontece por meio de imagens-lembranças, ou seja, o passado que vem à tona no presente é dominado pela força da atualização. No caso da predominância do esquema óptico-sonoro, o virtual, que permanece vinculado à lembrança pura (total), pulsa com o atual sem distinção de quem é o passado e de quem é o presente.
Logo, quanto mais interpretarmos um filme sob a ótica do encadeamento-desencadeamento de cenas, maiores serão as chances de nos afastarmos do princípio de causa e efeito como regente de nossas ações cotidianas.
Enfim, o encadeamento-desencadeamento de cenas e de fatos e situações do cotidiano se refere à criação de outros estilos de Vida.
Por tudo que foi dito, cabe ao leitor responder a seguinte questão:
Há equivalência entre
encadeamento – desencadeamento
de cenas (imagens) e
encadeamento – desencadeamento
de fatos e situações vividas
no dia a dia?
ANEXO
A Dupla Vida de Véronique: Cenas responsáveis pelo desencadeamento de imagens vinculadas à bifurcação geradora de interstício.
FONTE:
Ouça a Playlist do filme clicando aqui.
Quando?
20/05/23
Roda de conversa: das 16h às 18h
Onde?
Na sua casa através do aplicativo Zoom (Play Store) (Apple Store)
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