Confraria das Lagartixas promove Encontro de Cinema, Literatura e Arte.
Filme | O Segredo dos Seus Olhos - (Juan José Campanella)
Um oficial de justiça se aposenta e decide escrever um livro. Sua inspiração é um caso real de estupro e assassinato de uma jovem. Em sua jornada, o aposentado conhece o marido da vítima e promete ajudá-lo a encontrar o culpado.
TRAILER:
"El amor es un secreto que los ojos no saben guardar."
"El verdadero afecto es una larga paciencia."
"Como se faz para viver uma vida vazia?
Como se faz para viver uma vida cheia de nada?"
Juan José Campanella
"As pessoas podem mudar tudo:
De cara, de casa, de família, religião, Deus…
Mas há uma coisa que não se pode mudar:
Não se pode mudar de paixão."
Juan José Campanella
"Não fique pensando no que aconteceu ou o que não aconteceu…
Senão, vai você vai ter mil passados e nenhum futuro."
Juan José Campanella
Conto | Fala-se Russo - (Vladimir Nabokov)
Em"Fala-se russo", um bem-humorado conto datado de 1923, o autor exercita a sátira política com a sua tradicional fina ironia quando uma família de imigrantes russos, antigos proprietários de terras antes da revolução bolchevique e donos de uma tabacaria em Berlim, recebem um cliente muito especial, um azarado representante da polícia secreta soviética que acidentalmente entra na loja, oferecendo uma rara oportunidade de compensação.
Leia o conto na íntegra, clicando abaixo.
" Uma boa gargalhada é o melhor pesticida que existe."
Vladimir Nabokov
" Nossa existência não é mais que um curto-circuito de luz entre duas eternidades de escuridão."
Vladimir Nabokov
" E o resto é ferrugem e pó das estrelas. "
Vladimir Nabokov
" O que procuramos na literatura é um estremecimento na espinha dorsal. "
Vladimir Nabokov
" A existência é apenas uma série de notas de rodapé de uma vasta, obscura e inacabada obra-prima." "
Vladimir Nabokov
Nabokov e Campanella nos apresentam personagens falhos, engraçados e dramáticos. Ou seja, pessoas comuns, que poderiam estar ao nosso lado neste momento.A proximidade dos personagens com o mundo real é a mola propulsora que nos conduz para dentro da trama.
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COMENTÁRIOS sobre o Encontro da CONFRARIA DAS LAGARTIXAS - 15/04/23 - Filme "O Segredo dos Seus Olhos" e o Conto "Fala-se Russo" - Juan José Campanella e Vladimir Nabokov
Por Lúcia Barros Freitas de Alvarenga
A semelhança entre o interessantíssimo e envolvente Conto e o Filme – essa impecável obra-prima, que eu vi e revi incontáveis vezes desde o seu lançamento -, limita-se, no meu sentir, unicamente ao tema da Justiça, de como ela é concebida e de como efetivamente é praticada, se não de forma legal e legítima pela longa manus do Estado, pelas mãos do indivíduo na condição de vítima ou de Co vítima. “Arrastamos o desmaiado da loja para o corredor e depois para o quarto de Petya. Bem nesse momento escutei a campainha: alguém tinha entrado na loja. Muito bom, claro, que não tivesse acontecido antes. Lá fui eu de volta para a loja, fiz minha venda, então, por sorte, minha mulher chegou à loja e imediatamente pedi que ficasse no balcão enquanto eu, sem dizer uma palavra, ia ventando para o quarto de Petya. O homem estava deitado de olhos fechados no chão, Pety a sentado à sua mesa, examinando com ar pensativo certos objetos como uma grande charuteira de couro, meia dúzia de cartões-postais obscenos, uma carteira, um passaporte, um revólver antigo mas aparentemente eficiente. Ele me explicou imediatamente: tenho certeza de que você já entendeu que essas coisas tinham saído dos bolsos do homem e ele próprio não era outro senão aquele representante, você se lembra da história de Petya, que tinha feito aquela observação sobre a ralé Branca, isso, isso, exatamente o mesmo! E a julgar por certos documentos, era um membro da GPU3 sem dúvida nenhuma. ‘Muito bem’, eu disse a Petya, ‘então você deu um soco na cara de um sujeito. Se ele mereceu ou não é outra história, mas por favor me explique, o que você pretende fazer agora?” (Conto "Fala-se Russo", p. 04).
“Prisão perpétua”, respondeu Benjamin Expósito a Ricardo Morales, sobre a pergunta que este formulara acerca das consequências penais que legalmente recaem sobre o crime de estupro seguido de morte de sua mulher Liliana, de 23 anos, praticado por Isidoro Gómez. “Que viva muitos anos para que se dê conta de que todos esses anos serão cheios de “nada”. Essa era a sentença penal formulada, engendrada e ansiada por Morales. Tal qual ele concebia a Justiça: “uma” justiça como reparação. No filme, que não é linear, mas transita e dança livremente no Tempo, há ainda o Amor, que intercala as cenas e interconecta os personagens com a busca pela Justiça. Amor-Paixão, Amor-Amizade, Amor-Justiça, Amor-Amor que revelam seus olhos e cujo segredo está presente nas imagens e nos personagens: em Irene, em Benjamin, em Ricardo Morales, em Liliana, em Sandoval, em Isidoro Gómez. “Os olhos falam demais, melhor não olhar”, diz Expósito para Irene, temendo que seu segredo, de Amor apaixonado, íntimo e profundo, mas absolutamente improvável, fosse revelado à Promotora de Justiça (Fiscal, em espanhol) com quem trabalhava. “Há uma coisa que a pessoa não pode mudar: de Paixão”, diz Sandoval, colega e amigo de Benjamin, referindo-se a ele, a si próprio e ao estuprador-assassino. É que, ao ler as cartas que ambos haviam furtado de dentro da casa da mãe de Isidoro Gómez, Sandoval consegue decifrar, com a ajuda do Tabelião, no boteco que frequentava, qual era a paixão do assassino-estuprador: o futebol. E é justamente no estádio onde conseguem finalmente prendê-lo.
A impagável cena entre Irene, Benjamin e Romano, integrante do Poder Executivo, que ordenou a soltura de Isidoro Gómez, autor assumido e confesso dos crimes, para que este trabalhasse como infiltrado, espionasse e denunciasse os supostos “subversivos”, durante esse período da Ditadura Argentina (1974), é absurdamente icônica e simbólica: para humilhar a Benjamin (Benjamín = filho da Felicidade, o bem amado), seu desafeto, Romano faz, olhos nos olhos, um paralelo entre a “doutora” Irene e o “perito contábil” (é mais provável que seja perito criminal): jovem e velho, rica e pobre, intocável e não-intocável, Menéndez Hasting e Expósito (Expósito = “recém-nascido que foi abandonado por seus pais e criado num hospício”), ou seja, “nada”, diz Romano. A reafirmar e enfatizar, ainda mais, o abismo social existente entre ambos, há muito já percebido por Benjamin. “Para essa gente, a Justiça não vale nada”. Diz Benjamin a Morales, a quem empaticamente revela a soltura do criminoso confesso, Isidoro Gómez: “Es solo un cafecito”, diz Benjamin. “Le debo una”, responde Morales. A pragmática Irene, então, visivelmente apaixonada, e percebendo a incapacidade de Benjamin de dar um passo em direção e desvelar aquela paixão e aquele amor que ambos sentem um pelo outro, desafia-o para que “faça objeções” sobre sua vida, seu casamento e outras coisas. Porém, no romance que Benjamin está escrevendo – que se mescla com a realidade – em que é alvo de um atentado e quem morre em seu lugar é o amigo Sandoval, esse diálogo é interceptado e Irene o convence a ir a Jujuy, um povoado onde os primos dela são proprietários “feudais”. “E o que vamos fazer aqui nós – digo tu e eu, diz Irene, não podemos fazer nada. Minha vida inteira foi olhar para frente, o Passado não é minha Jurisdição. Eu me declaro incompetente!” Na estação de trem, então, despedem-se, mas há um eterno “quase”, finalizado naquele momento por um entristecido “Tchau” de Benjamin. Que entra no trem, mas se apressa e quer voltar e parar e retroagir no Tempo. Faz o dramático caminho de volta. O trem, a seu turno e tempo, é veloz como o vento, inexorável como o Tempo, também tem pressa e parte em direção contrária, a avançar tragicamente o seu trajeto para cumprir o Destino então traçado pela implacável linearidade e retidão dos trilhos. Eu era outra pessoa – prossegue Irene.
Eu era outra pessoa – ecoa Benjamin.
Irene agora está na casa de Benjamin, a ler o rascunho do romance escrito por ele. Ironiza, provoca-o, mais uma vez ao tecer críticas sobre os personagens – eles mesmos: “Não é nem um pouco verossímil, tocando-se as mãos através do vidro, como se fossem uma única pessoa! Ela, chorando, como se soubesse que lhe esperava um destino medíocre, sem amor. Quase caindo sobre os trilhos, como se quisesse gritar um amor que nunca havia confessado!” “Sim, mas se fosse assim” “E, se fosse assim, porque não me levou com você, lerdo! E como vai continuar a história”. Nesse momento, Benjamin compreende o seu erro fatal em não se declarar: “Como foi possível que eu não tenha feito nada, há 25 anos que me pergunto! E há 25 anos que me respondo o mesmo: foi outra vida, já passou. Não pergunte, não pense. Não foi outra vida, foi esta. É esta! Agora que entendi isso como se faz para viver uma vida cheia de “nada”, como se faz!”
Numa improvável, distante e escondida casa, vive agora Morales a quem Benjamin vai visitar. Liliana está lá (na foto). Um café. Un cafecito. “Faz mal, deveria esquecer. Siga meu conselho”, diz Ricardo Morales. “Como você faz para viver sem ela” pergunta Benjamin a Morales, formulando, na verdade a pergunta a si mesmo. “Passaram-se 25 anos, Expósito”. “Achei que não ia conseguir”. “Passaram-se 25 anos! Esqueça isso!” “Você me deve uma, lembra disso”. “A você, o que importa, é minha vida, não a sua”. “Não, é minha vida também! O seu amor por essa mulher nunca mais vi algo assim. Em ninguém, ninguém. Nunca!” “É minha vida, não a sua!” “Me perdoe. São coisas de um velho homem. Deve ser isso. A verdade é que pensei tanto!” “O único que nos resta são as lembranças”. “Mas há uma coisa que nunca vou me esquecer. A última coisa que Pablo (Sandoval) me disse na noite em que o mataram: “Não se preocupe, Benjamin, nós vamos pegar aquele cara”. E eu vou pegá-lo, se estiver vivo, vou pegá-lo!” “Espere, entre, sente-se. Não o procure mais. Eu não podia ir ao Ministério, sabia que esse cara era intocável. Mas sabia que cedo ou tarde ele viria te buscar. Por isso, o matei”, disse Morales. “Valeu a pena”, pergunta Benjamin. “Não pense mais nisso, não pense mais. O que importa, minha mulher está morta, seu amigo está morto, Gómez também está morto. Estão todos mortos! Fiquemos somente com as lembranças. Eu te devia uma, agora estamos quites”. “Perpétua, você disse.”
Ricardo Morales, na verdade, está preso ali, na minúscula cela junto com Gómez, a quem mantém enjaulado por longos 25 anos. Prisão perpétua que, na ausência e omissão do Estado-Justiça, Ricardo faz cumprir e aplica a sua sentença justa, a “sua” justiça: “Que viva muitos anos para que se dê conta de que todos esses anos serão cheios de “nada”. Essa é a sentença penal formulada, engendrada e ansiada, durante anos, por Morales. Tal qual ele concebe a Justiça, “uma” justiça justa, com justa reparação. Ao enjaular e enclausurar a Isidoro Gómez no silêncio vazio sem fim daquele inóspito lugar que, tal como uma morte sem se matar ou morrer, é sem luz, sem ar, sem som, sem fala, sem olhos que, paralisados no Tempo, não têm janela, vivem no escuro, no vazio, no nada perpétuo. “O sistema solitário ou pensilvânico objetiva o arrependimento e a meditação, tendo empregado o confinamento de dia e de noite, permanecendo o condenado numa prisão numa prisão sepulcral em vida, exposto muitas vezes a estranhos, como exemplo amedrontante. O sistema do silêncio ou auburniano, por sua vez, optou pelo isolamento celular durante a noite e o trabalho em comum em total silêncio, cujo desrespeito era castigado com açoites.” (Prisão – Crepúsculo de uma Era, César Barros Leal, Ed. Del Rey, p. 174).
“É como se a morte da mulher o tivesse detido aí, para sempre”. Benjamin, então, perplexo e abismado, compreende tudo, compreende que durante esses 25 anos viveu a vida de Ricardo, Liliana e Isidoro, unidos naquela cela triangular, e, como eles, esteve parado e preso ali, naquele lugar, encarcerado no Tempo e todo esse tempo. “A você, o que importa, é minha vida, não a sua”. “É minha vida, não a sua!” “Não, é minha vida também! O seu amor por essa mulher nunca mais vi algo assim. Em ninguém, ninguém. Nunca!”
Esse terrível e aterrador desfecho do enjaulamento de Isidoro, me remete à interminável e complexa reflexão filosófica, sobre a qual falei no início, acerca do que é a Justiça. Em seu livro “Le Just” (1995), Paul Ricoeur diz que o ato de julgar consiste em separar, o que re-parte, se-para, atribuir a cada um o que é seu. Diz ele que atrás do processo está o conflito, a discrepância, a querela, o litígio. “E, no transfundo do conflito, há violência. O lugar da justiça se encontra assim marcado como um vazio, como formando parte do conjunto de alternativas que uma sociedade se opõe à violência e que definem, todas ao mesmo tempo, um Estado de Direito(...). É preciso levar em consideração, ainda, que a mais tenaz forma de violência é a vingança, ou seja, a pretensão do indivíduo fazer justiça com suas próprias mãos. (...) Pode-se dizer que a justiça está justificada numa sociedade e é o ato através do qual a sociedade retira dos indivíduos o direito e o poder de fazer justiça por si mesmos. É o ato pelo qual o poder público confisca para si este poder de dizer e aplicar o direito. De outro lado, devido a esta confiscação, as operações mais civilizadas da justiça, em particular na esfera penal, guardam ainda a marca visível desta violência original que é a vingança (...). O castigo, sobretudo se conserva algo da velha ideia de expiação, continua sendo uma forma atenuada, filtrada, civilizada, de vingança.” (“Lo Justo”, Tradução para o espanhol de Augustín Domingo Moratalla, Caparrós editores, Madrid, 1999, pp. 179-181. A tradução para o português é minha).
Ricardo Morales – seguindo essa concepção e diante da omissão-conivência do Estado-punitivo – e fiel aos estritos parâmetros legais da pena cabível “Prisão Perpétua”, recupera e traz para si o que é “seu” de direito, a reparação justa, através da forma mais elementar e primitiva de justiça, que é a violência, através da vingança. Ao levar flores ao túmulo de Sandoval, Benjamin pode reconectar-se com a sua realidade presente, no Aqui e Agora, e, ao terminar sua novela, se dá conta, por fim, de que, quando escrevia em seus sonhos a palavra “Te mo”, a verdade é que a ausência da letra “A” em sua velha máquina de escrever era tudo o que faltava para dizer a Irene “Te Amo”.
Uma máquina de escrever, sem a letra “A”, que vai e volta no tempo e que, tal como o trem e ao contrário do Tempo, percorre a linearidade e a precisão dos trilhos.
“O cara pode mudar qualquer coisa. Mas tem algo que não pode mudar, nem você, nem eu, nem ninguém, Benjamin, a paixão” (Sandoval).
Os olhos de Irene – para quem a “minha vida inteira foi olhar para frente e onde o Passado não é a minha Jurisdição” - estiveram a todo o tempo e durante anos, à espera do segredo dos olhos de Benjamin, não naquela estação de trem, mas no mesmo lugar de sempre. E ainda que “vai ser complicado”, “não importa”, “feche a porta”. “O prisioneiro bocejou e virou para a parede. Saímos. Martin alisou a tranca com um sorriso. “Nenhuma chance de ele escapar”, disse e acrescentou, pensativo: “Mas eu tenho curiosidade de saber quantos anos vai passar aqui...” (Conto "Fala-se Russo", p. 07). Feche a porta.
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Ouça a Playlist do filme clicando aqui.
Quando?
15/04/23
Roda de conversa: das 16h às 18h
Onde?
Na sua casa através do aplicativo Zoom (Play Store) (Apple Store)
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O link de acesso à sala ZOOM será enviado às 08h no dia do evento, além das atualizações das próximas rodas de conversa e cirandas de leitura.
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